Em duas ou três pinceladas rápidas, a origem da mais genuína bebida brasileira.
Saiba o amigo que empunha o copo e enseja o papo que as bebidas destiladas são mais antigas do que imaginam muitos bebedores diletantes e praticantes. Contam as crônicas da História Universal que o processo de destilação como se conhece hoje foi desenvolvido por volta do ano 3.000 antes de Cristo. E que lá pelo 800 antes do nascimento do Salvador surgiu o arak, a mais antiga aguardente de que se tem notícia, produzida à base de arroz e melaço, que foi nascido na Índia e levado depois para os países árabes. E ainda que o nome “aguardente” foi escrito pela primeira vez pelo naturalista romano Plínio, o Velho (23/79 d.C.), que registrou na sua “História Natural” o processo de obtenção da “acqua ardens”, ou “água que pega fogo”.
Pois a Humanidade passou alguns milênios tomando os mais diferentes tipos de aguardente, até que numa certa quadra do século XVI as caravelas portuguesas cruzaram o Atlântico e cá vieram a descobrir o Brasil, ó pá! As conseqüências dessa aventura foram tantas e tão difícil é enumerá-las, mas uma certamente foi muito especial: o surgimento da cachaça, a aguardente à base de cana-de-açúcar, que há de se eternizar como a mais genuína expressão, na forma de bebida, da alma brasileira.
A verdade verdadeira a respeito de como o fato se deu, isso ninguém sabe contar, e não há documentos confiáveis pra comprovar nenhuma das muitas versões sobre a história que circulam na praça. Umas das mais faladas diz que, nos engenhos coloniais, a garapa de cana era servida ao gado no cocho, e acabava fermentando naturalmente. Por conta do forte calor tropical, o caldo evaporava e acabava se condensando no teto, voltando ao estado líquido. Num certo dia iluminado, as gotas teriam pingado nas costas chicoteadas de um escravo. Segundo a lenda, ardeu tanto que o sujeito resolveu investigar o que era aquilo. Cheirou, provou e gostou, e daí pra entender o processo e fazer a primeira destilação teria sido só mais um passo. Mas, na opinião de dez entre dez historiadores, o caso assim contado é pura fantasia.
Bem mais fácil é acreditar que a cachaça brasileira tenha sido fruto da adaptação, às condições da colônia, da milenar tradição européia de consumir destilados. Antes de atravessar o oceano, os pioneiros portugueses celebravam suas alegrias e afogavam suas mágoas ao sabor da bagaceira, aguardente à base de uva fabricada nas vinícolas da península. Chegados aqui a esta terra de Santa Cruz, eles até tentaram, mas as parreiras não vingaram. Ao contrário dos canaviais, que vicejavam com invejável força e vigor nas áreas recém abertas ao cultivo. Era uma conta muito fácil de ser feita: tudo o que tem açúcar fermenta; tudo o que fermenta é passível de ser destilado; a cana é o vegetal mais eficiente na produção de açúcar; portanto, fermente-se o caldo, destile-se o mosto resultante, e estará pronta a aguardente pra aplacar a sede dos colonizadores. Pensado, recitado e feito, o mais certo é que tenha sido desse jeito que surgiu a cachaça, que ao longo da história se transformaria num dos pilares da construção econômica, social e cultural do Brasil.
02/10/2009
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